segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Paris, Capital do Século XIX

Exposé de 1935

As condições para o surgimento das passagens em Paris vêm inicialmente com o desenvolvimento do comércio têxtil ainda na primeira metade do século XIX, quando grandes estoques de mercadorias começam a fazer parte dos maganizes, dando forma às primeiras grandes lojas de departamento, comuns até os nossos dias. Estas viriam a se tornar grandes atrações para um público de outras regiões. Em seguida as primeiras construções em ferro, cuja funcionalidade modifica o princípio construtivo da época. Fábricas e estações ferroviárias recebem um caráter estético ainda não revelado. O ferro é bem difundido nas passagens, pavilhões de exposição e locais de grande público, mas não para utilização em residências. Cresce com isso a aplicação do vidro na arquitetura.
Essa relação de uma nova cidade com o antigo, e a invasão das máquinas, produzem o país das maravilhas, símbolo do desejo. Assim como a arquitetura começa a se distanciar da engenharia, graças aos novos recursos de material e técnicas de construção, acontece também no campo da pintura. Em paralelo a essas mudanças, os panoramas que buscavam retratar com cada vez mais perfeição a natureza, passam a perder o sentido em detrimento do surgimento da fotografia. Esta, discussões a parte, o retrato era visto também sob a ótica da arte, já que dependia muito do domínio do retratista para captar com longo tempo de exposição. Em 1855 a fotografia ganha espaço na exposição universal. A pintura perde o caráter de informação, mas busca outros caminhos, como a saída do Impressionismo para o Cubismo, atingindo novos valores que a fotografia não poderia alcançar.
As exposições universais agregam novos valores às mercadorias. A moda se sobrepõe aos objetos de uso diário. Já na segunda metade do século XIX Paris reitera a posição de capital do luxo e da moda. Aos olhos de Charles Boudelaire, Paris de tronará objeto de poesia lírica, com profundo toque de melancolia, através da visão do flâneur. Em seus poemas trata o novo como o "fundo do desconhecido".
As transformações se sucedem com o imperialismo de Haussmann, com grandes aberturas de avenidas apoteóticas. A cidade é palco da especulação. A valorização dos imóveis e terrenos no centro expulsa o proletariado para a periferia. A mudança é tamanha, que os cidadãos parisienses já não se reconhecem mais em casa. A intenção era de impedir as barricadas da guerra civil, por isso avenidas tão largas e que proporcionasse melhor articulação.

Exposé de 1939
Benjamin analisa o surgimento de valores e da destruição de outros tantos que ocorrem durante o século XIX, em especial em sua primeira metade, fazendo da cidade e da sociedade um laboratório de análises. A cidade equivalente a sociedade, mostra os seus processos evolutivos. A mercantilização acentuada da vida é tratada pelo autor através das sutilezas, das nuances e dos pequenos acontecimentos. Acompanha, sem dúvida, a mudança na própria estruturação e interpretação do tempo que a modernidade traz, projetando o cotidiano como uma dimensão heróica.
O pensamento de Walter Benjamin dedica-se a Paris, que nessa época era símbolo da modernidade e também a utiliza como um espaço revelador de contradições e complexidades. Trata também a revolução na vivência e na interpretação do espaço, atendo-se aos pequenos lugares, às estruturas novas e antiquadas que a grande cidade cria e recria. Os escritos sobre a Paris moderna, século XIX, atentam para os intérpretes da cidade, em especial, para os literatos, foco aos poetas.
O autor procura a modernidade do século XIX a partir de suas galerias construídas em ferro e vidro, pelas quais a multidão se desloca. As multidões se movimentam expostas como em vitrines, pela primeira vez se oferece à leitura e à legibilidade, uma vez que foi o século XIX que produziu uma literatura em que a personagem principal é a cidade de Paris. Benjamin dava uma maior atenção à tríade – sujeito, espaço e tempo.
Dois aspectos são essenciais no que dizem as características externas e internas complementares: o estado de ânimo e olhar, e o seu cotidiano e realidade de vivência e reflexão. Eles são o olhar de desconforto, de inadaptado, que lhe revela com maior precisão a transitoriedade como essência da vida moderna. Em segundo lugar, a grande cidade, produto da nova sociedade. O encontro dos dois aspectos dá-se na procura da interioridade na cidade moderna e isso pode ser encontrado em símbolos da própria modernidade.
Lugares de encontro são destacados, bem como são destacadas as ruas, esse novo elemento de encontro que é realçado com as reformas urbanas no século XIX, em especial com os bulevares de Haussmann.
Embora algumas questões fiquem pendentes para Benjamin na sua procura de conciliação entre universalidade e essência, futuro e passado, provem disto algo essencial que é a importância ao desprezado, ao descartado, ao detalhe. A cidade será vista por esse ângulo: Haussmann a vê como um plano único, de único olhar, que se impõe à massa e se manifesta nas transformações que ele fez a Paris.
Benjamin vê a realidade como esfacelada, o sujeito ameaçado na sua essência ele encontra a possibilidade de decifrar a sociedade e a cidade modernas a partir de construções e reconstruções diversas com os fragmentos que a compõem.
O autor parece encontrar na modernidade a construção de novas catedrais, capazes de criar uma nova sacralidade, inerente ao homem (culto e reunião), muito além da luta política explícita (o próprio cotidiano).Ele fixa seu olhar não no passado que desapareceu, mas naquilo que do passado restou. Fascina-se por esse passado, por esse resíduo, ainda que despojado de sua essência, de seu glamour, como fruto da destruição causada pela modernidade.

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